domingo, 9 de fevereiro de 2025

Psicanálise e kintsugi

A técnica japonesa conhecida como kintsugi (金継ぎ), ou "emenda de ouro", consiste na arte de reparar cerâmicas quebradas utilizando laca misturada com pó de ouro, prata


ou platina. Em vez de esconder as rachaduras, essa prática as destaca, valorizando a história e as marcas do objeto.

Análise Psicanalítica do Kintsugi

Do ponto de vista da psicanálise, o kintsugi pode ser interpretado por diferentes vertentes teóricas:

1. Psicanálise Relacional e a Transformação do Self

O kintsugi simboliza um processo de reparação psíquica no qual as feridas emocionais não são negadas ou apagadas, mas sim integradas à identidade do sujeito. Na psicanálise relacional, a cura ocorre por meio do reconhecimento e da transformação da dor na relação com o outro. Assim como na técnica japonesa, a psique pode se reorganizar após uma ruptura, tornando-se mais rica e resiliente.

2. Winnicott e o Conceito de Capacidade de Estar Só

D.W. Winnicott postula que o amadurecimento emocional envolve a capacidade de suportar perdas e reconstruir a si mesmo. O kintsugi pode ser visto como uma metáfora da transição entre a dependência e a autonomia emocional: aceitar as rachaduras sem precisar ocultá-las reflete um ego mais integrado e verdadeiro.

3. Lacan e a Lógica do Sujeito Dividido

Para Jacques Lacan, o sujeito é constituído pela falta e pela divisão interna (barramento do sujeito). A técnica do kintsugi ilustra a ideia de que a completude é uma ilusão, e que é na própria imperfeição e na aceitação da falta que o desejo se sustenta. A cicatriz dourada representa um significante da história do sujeito, uma marca simbólica que o redefine.

4. Psicologia do Self e a Autoestima Restauração

Na abordagem da Psicologia do Self de Heinz Kohut, o kintsugi pode ser entendido como um processo de self-repair, no qual a restauração da autoestima se dá não pela negação da ferida, mas pela sua reintegração em um novo significado. O ouro representaria a transformação de experiências dolorosas em crescimento e fortalecimento da coesão do self.

Conclusão

O kintsugi não apenas restaura um objeto, mas ressignifica sua história, tornando-o mais valioso do que antes. Psicanaliticamente, ele ilustra a dinâmica da resiliência psíquica, na qual a dor e as rupturas podem ser reintegradas de forma criativa ao psiquismo. Esse conceito pode ser amplamente aplicado na clínica, ajudando pacientes a lidarem com traumas e perdas de maneira construtiva.


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